PARECER COREN – BA N⁰ 022/2016

Assunto: Autonomia do Enfermeiro e do Tec. de Enfermagem no manuseio de drogas vasoativas

15.12.2016

1. O fato:

Solicitado parecer técnico referente à situação ocorrido em uma unidade de emergência, Triagem, de um unidade hospitalar de grande porte. “Paciente grave, com choque séptico, apresentando taquicardia, febre, hipotensão, em uso de solução de noradrenalina padrão em acesso periférico, aguardando passagem de acesso venoso central. Após passagem do acesso central, o médico solicitou verbalmente a transferência das drogas para o acesso central, o paciente estava em uso de noradrenalina 50 ml/h, e foi detectado pressão arterial 50 por 30 mmhg, pelos técnicos que estavam assistindo o paciente, um dos técnicos manipulou a vazão da droga de 50 ml/h para 80 ml/h, mas não comunicou ao médico de imediato, pois o mesmo não estava na unidade no momento.

A alteração foi comunicada a enfermeira posteriormente. O interno de medicina verificou que a pressão estava baixa e foi solicitar que aumentasse a vazão da solução para 60 ml/h quando viu que na bomba estava em 80 ml/h, e questionou a manipulação sem conhecimento prévio do médico. Diante do exposto, solicitamos do Coren o parecer em relação a manipulação da droga vasoativa frente a instabilidade do paciente, risco de vida e a ausência temporária do médico. Parte-se do pressuposto que o enfermeiro intensivista atua no desmame de drogas em comum acordo com a equipe médica. O técnico de enfermagem pode atuar desta forma também? O técnico em questão tem formação de enfermeiro intensivista, porém no hospital atua como técnico.

2. Fundamentação legal:

As drogas vasoativas são substâncias que apresentam efeitos vasculares periféricos, pulmonares ou cardíacos, atuando em pequenas doses com resposta dose dependentes, de efeito rápido e curto. São usadas dentro de unidade de terapia Intensiva, em pacientes sob vigilância e monitorados pela equipe multidiciplinar com controles frequentes, preferencialmente com PA invasiva. Entre as drogas vasoativas estão a Dopamina, Dobutamina, Nitroglicerina, Nitroprussiato de Sódio,Vasopressina, Levosimendam e a Noradrenalina citada no questionamento.

A noraadrenalina ou norepinefrina é uma catecolamina sintética muito utilizada como droga vasopressora no tratamento do choque séptico, no tratamento de hipotensão grave. É um potente vasoconstritor visceral e renal o que limita sua utilização clínica, é vasoconstritora sobre a rede vascular, sistêmica e pulmonar, e deve ser usada com prudência, em pacientes com hipertensão pulmonar. Sua ação tem como consequência o aumento da frequência cardíaca, contratibilidade, débito cardíaco, resistência vascular e pressão de perfusão em situação de vasoplegia. A dose deve ser criteriosa, iniciar com 0,1 mcg/Kg/min e titular de acordo com a pressão arterial podendo atingir 3mcg/Kg/min. Em baixas doses, promove aumento da pressão arterial, do índice de trabalho do ventrículo esquerdo, do débito urinário e do índice cardíaco. Em doses superiores a 2 mg/min, ocorre incremento da vasoconstricção periférica com aumento da resistência vascular sistêmica e diminuição da perfusão renal, esplâncnica, pulmonar e musculatura esquelética.

O uso da noradrenalina, em altas doses e por tempo prolongado, pode provocar graves lesões renais, cutâneas e mesmo cardíacas devido à vasoconstrição excessiva. Não deve ser utilizada se a hipotensão for por hipovolemia, exceto se medida emergencial até que a terapia de reposição de volume possa ser realizada. Utilizar noradrenalina para manter pressão arterial sem correção adequada da volemia pode levar à vasoconstrição periférica visceral, diminuição de perfusão renal e do débito urinário, hipóxia tissular e acidose láctica. Seu uso pode ocorrer efeitos colaterais como taquicardia, arritmia, parada cardíaca, morte súbita, lesões isquêmicas devido à potente ação vasoconstritora, hipertensão, angina, cefaleia, ansiedade, necrose de pele, arritmias e acidose láctica.

Entre os cuidados de enfermagem à pacientes em uso de dragas vasoativas estão: estabelecer critérios de diluição das drogas por meio de protocolos institucionais; observar aspecto da solução antes e durante a administração; administrar em bomba de infusão; manter cuidados com o acesso venoso que deverá ser central; calcular a dosagem das drogas em ug/Kg/min; controlar a velocidade de infusão das drogas; manter o peso do paciente atualizado; atentar aos sinais de desidratação antes de iniciar a infusão da droga; conhecer a ação, estabilidade e interação medicamentosa das drogas e conhecer se a droga é fotossensível; monitorar sinais vitais, estar atento as variações dos sinais do paciente por meio da aferição e monitorizarão contínua; atentar para alterações do traçado de ECG; monitorização do débito urinário, perfusão sanguínea etc., monitorando estes controles a cada hora ou conforme prescrição de enfermagem; registrar controles, incluindo a alteração de vazão das drogas na bomba de infusão, previamente prescrita pelo médico.

Observamos que o conhecimento sobre as indicações, limitações e efeitos hemodinâmicos das drogas vasoativas é essencial para uma utilização consciente e crítica desses potentes medicamentos, pois estes podem se tornar uma importante causa de iatrogenia, caso utilizado de maneira inadequada.

A Portaria GM/MS nº 1.377, de 9 de julho de 2013 e a Portaria nº 2.095, de 24 de setembro de 2013 aprovam os protocolos básicos de segurança do paciente, mas especificamente a segunda portaria aprova o protocolo de segurança referente a prescrição, uso e administrações de medicamentos. A comunicação efetiva também faz parte dos 10 passos da segurança do paciente. Devemos ressaltar que a Segurança do Paciente é um componente essencial da qualidade do cuidado e sua importância vem sendo evidenciada cada vez mais, para os pacientes e suas famílias, para os gestores e profissionais de saúde no sentido de oferecer uma assistência segura.

Com o objetivo de contribuir para a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional o Ministério da Saúde, na Portaria GM/MS nº 529/2013, institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), visto que os incidentes associados ao cuidado de saúde, e em particular os eventos adversos (incidentes com danos ao paciente), representam uma elevada morbidade e mortalidade em todos os sistemas de saúde.

O questionamento envolve a equipe de enfermagem e suas atribuições no cuidado ao paciente grave, entretanto observamos também falta de comunicação efetiva dessa equipe de saúde. Assim, considerando o Decreto nº 94.406/87 que regulamenta a lei nº 7.498/86, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem, em seus artigos:

Art. 8º – Ao enfermeiro incumbe: I – privativamente: […] g) cuidados diretos de Enfermagem a pacientes graves com risco de vida; h) cuidados de Enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos científicos adequados e capacidade de tomar decisões imediatas […].

Determina que o enfermeiro exerça todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe privativamente os cuidados diretos ao paciente grave com risco de vida e cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimento de base cientifica e capacidade de tomar decisões imediatas, ou seja, torna-se imprescindível a presença de enfermeiros capacitados e especializados para o atendimento ao paciente crítico.

Art. 10º – O Técnico de Enfermagem exerce as atividades auxiliares, de nível médio técnico, atribuídas à equipe de Enfermagem, cabendo-lhe: I – assistir ao Enfermeiro: […] b) na prestação de cuidados diretos de Enfermagem a pacientes em estado grave. […]

Segundo descrição do parecer, o técnico de enfermagem realizou alteração da vazão da droga vasoativa após o paciente apresentar hipotensão, comunicando posteriormente ao enfermeiro que manteve a alteração mesmo sem a prescrição médica. No entanto, quando o médico retornou para a unidade de emergência, não foi comunicado pela equipe de enfermagem da instabilidade do paciente pelo quadro de hipotensão mesmo após ter sido alterado os parâmetros da vazão da droga vasoativa, devido a sua ausência, havendo assim descontinuidade na assistência.

Sobre este aspecto, citamos o Parecer COREN-SP CAT Nº 055/2011 que dispõe sobre a atribuição do enfermeiro em desmame de fármacos vasoativos em unidade de terapia Intensiva conclui que o profissional médico, obrigatoriamente presente na unidade, é responsável pela prescrição, alteração de dosagem, e suspensão do uso de fármacos vasoativos.

Ainda segundo relato em parecer, no momento em que o paciente apresentou a instabilidade do quadro o médico não se encontrava na unidade. Por normativas legislativas, há obrigatoriedade da presença do médico em unidades de emergência e de terapia intensiva. Em caráter exclusivo e ininterrupto, pelo período de 24 horas, sendo esse profissional responsável pela avaliação clínica do paciente e prescrição da terapêutica adequada ao tratamento, incluindo a prescrição de drogas vasoativas que dependem de cuidados intensivos para seu manejo. O Código de Ética Médica, sob a Resolução 1931/09, Capítulo III, no que tange a Responsabilidade Profissional, descreve: É vedado ao médico: […] Art. 8º afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes internados ou em estado grave.

Quanto a atuação do Técnico de Enfermagem, portador de diploma de Enfermeiro, vale ressaltar que, no momento do exercício de sua prática profissional, deverá limitar-se ao desenvolvimento de práticas compatíveis legalmente com o cargo/função que ele exerce na instituição onde sua prática é realizada. Conforme o Decreto nº 94.406/87 que regulamenta a lei nº 7.498/86, Artº 10 O técnico de Enfermagem exerce as atividades auxiliares, de nível médio técnico, atribuídas à equipe de Enfermagem. Cabendo aos profissionais de enfermagem, sob a liderança do Enfermeiro, mediante a elaboração efetiva do Processo de Enfermagem, prevista na Resolução COFEN 358/2009, respaldar suas ações em recomendações científicas atuais a fim de garantir a segurança do paciente e dos profissionais. Processo este que auxiliará a equipe médica em suas decisões assistenciais, incluindo o manejo dos fármacos prescritos.

Considerando a Resolução COFEN nº 311 de 2007 que normatiza o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem e estabelece em seus artigos:

Art.7º (Direitos) Recusar-se a executar atividades que não sejam de sua competência legal.

Art.16º (Responsabilidades) Assegurar ao cliente uma assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência.

Art.17º (Responsabilidades) Avaliar criteriosamente sua competência técnica e legal e somente aceitar encargos ou atribuições, quando capaz de desempenho seguro para si e para a clientela.

Art. 30º (Proibições) Administrar medicamentos sem conhecer a ação da droga e sem certificar-se da possibilidade dos riscos.

Art.41º (Responsabilidade e deveres)-Prestar informações, escritas e verbais, completas e fidedignas necessárias para assegurar a continuidade da assistência.

Art. 50º (Proibições) Executar prescrições terapêuticas quando contrárias à segurança do cliente.

Art.51º (Proibições) Prestar ao cliente serviços que por sua natureza incumbem a outro profissional, exceto em caso de emergência.

3. Conclusão:

Conforme exposto, concluímos que não é competência dos profissionais de enfermagem (Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem) realizar prescrição, programação e/ou alteração dos parâmetros de drogas vasoativas sem prescrição prévia do médico. O enfermeiro intensivista pautado em conhecimento e fundamentação cientifica pode auxiliar na decisão do manejo das drogas vasoativas, em colaboração com os médicos assistenciais. O Decreto nº 94.406/87 que regulamenta a lei nº 7.498/86, estabelece que o paciente grave é de responsabilidade do enfermeiro, cabendo ao Técnico de Enfermagem as atividades auxiliares, de nível médio técnico, atribuídas à equipe de Enfermagem, cabendo-lhe assistir ao Enfermeiro na prestação de cuidados diretos de Enfermagem a pacientes em estado grave.

Recomendamos que os profissionais de enfermagem exerçam suas ações, fomentadas pela elaboração efetiva da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), conforme Resolução COFEN nº 358/2009 e que os serviços criem protocolos assistenciais de boas práticas, considerando a legislação especifica e as atribuições de cada categoria da equipe multiprofissional, com posterior validação pelos respectivos responsáveis técnicos e imediata capacitação de todos os envolvidos no processo assistencial. Sugerimos também que esses protocolos estejam alinhados com as diretrizes do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), conforme Portaria GM/MS nº 529/2013, criando uma cultura de segurança operacionalizada pela gestão de segurança da organização.

 

É o nosso parecer.

Salvador, 30 de novembro 2016

Enf. Maria Jacinta Pereira Veloso – COREN-BA 67976-ENF

Enf.ª Mara Lucia de Paula Souza – COREN-BA61432-ENF

Enf. Sirlei Santana de Jesus Brito – COREN-BA 47858-ENF

 

4. Referências:

a. BRASIL. Decreto n. 94.406 de 08 de junho de 1987 que regulamenta a Lei n. 7.498 de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o Exercício profissional de Enfermagem, e dá outras providências. Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br

b. BRASIL. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN nº311/2007, que aprova a reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br

c. BRASIL. Resolução COFEN nº 358 de 2009, que dispõe sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem e a implementação do Processo de Enfermagem em ambientes, públicos e privados, em que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem. Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br

d. BRASIL. Portaria nº 529,de 1º de Abril de 2013,(DOU 02/04/2013) Disponível em: http://www.saude.mt.gov.br/upload/controle-infeccoes/pasta2/portaria-msgm-n-529-de-01-04-2013.pdf

e. CINTRA, E.A; NISHIDE, V.M.; NUNES, W.A. Assistência de Enfermagem ao Paciente Gravemente Enfermo. São Paulo: Atheneu, 2003

f. MURI EMF, SPOSITO MMM, METSAVAHT L. Farmacologia de drogas vasoativas. Acta Fisiatr 2010;17(1):22-7.

g. OSTINI FM, et al. O uso de drogas vasoativas em terapia intensiva. Medicina, Ribeirão Preto 1998;31: 400-411.Disponível em: http://revista.fmrp.usp.br/1998/vol31n3/o_uso_drogas_vasoativas.pdf

h. http://cardiopapers.com.br/guia-de-medicamentos-cardiovasculares-noradrenalina/

 

 

 

 

 

 

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