Mortalidade Infantil e Materna na Bahia:
O desafio da informação


30.10.2017

Temos observado que o declínio da mortalidade infantil no estado da Bahia é uma realidade, tanto quando são analisadas séries históricas das Taxas de Mortalidade Infantil estimadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, como quando no cálculo desses indicadores são utilizados os dados disponibilizados pelos sistemas oficiais de informações sobre nascidos vivos e mortalidade do Ministério da Saúde.

Todavia, o mesmo não pode ser dito quando se fala da magnitude desta mortalidade. A obtenção de dados confiáveis sobre esses dois eventos – nascimentos e mortes – ainda se constitui um sério problema no nosso estado dificultando o conhecimento do real perfil de mortalidade de alguns grupos populacionais, como crianças menores de um ano e mulheres por causas maternas, bem como o planejamento de ações e o monitoramento e avaliação de resultados de medidas adotadas.

As taxas de mortalidade infantil calculadas utilizando-se o Sistema de Informações sobre Mortalidade/SIM e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos/SINASC apresentam valores inferiores àqueles estimados pelo IBGE, apontando para problemas na captação de dados por esses sistemas (Figura 1).

FIGURA 1

Por outro lado, embora a mortalidade infantil proporcional, segundo componentes, apresente predomínio dos óbitos no período neonatal (menores de 28 dias de vida), comportamento esperado diante da ocorrência de melhorias socioeconômicas e de investimentos no controle de infecções respiratórias agudas, doenças diarréicas e doenças imunopreveníveis, algumas características dos nossos dados também apontam para deficiência na qualidade dos mesmos, tanto no que diz respeito aos óbitos como aos nascidos vivos.

Comparando-se a população e o volume de óbitos da Bahia com o de alguns estados que apresentam maior cobertura e melhor qualidade dos sistemas de informações em saúde, inicialmente chama a atenção a Taxa de Mortalidade Geral no nosso Estado, inferior à média brasileira e à de todos os estados alvo de comparação. Por sua vez, o preenchimento da declaração de óbito/DO inicia-se por um campo no qual deve ser registrado se o óbito é fetal ou não fetal. Na distribuição desses óbitos mais uma vez a Bahia se destaca, dessa feita pela maior proporção de óbitos fetais, tanto em relação à média nacional, como em relação aos valores nos referidos estados (Tabela 1).

TABELA 1

O primeiro achado – baixa taxa de mortalidade geral – aponta para subnotificação de óbitos no SIM. Tal conclusão é pertinente uma vez que os indicadores socioeconômicos e de acesso a assistência à saúde na Bahia não favorecem a existência de taxas de mortalidade abaixo das observadas nos referidos estados, os quais apresentam valores mais favoráveis de indicadores socioeconômicos e de acesso a serviços de saúde. Suas taxas de mortalidade mais elevadas, estão compatíveis com o atual quadro de envelhecimento da população brasileira, observado pela elevação da expectativa de vida, decréscimo da taxa de natalidade e maior proporção de óbitos entre os idosos.

O segundo achado – elevada proporção de óbitos fetais – diz respeito diretamente a nós médicos, uma vez que o preenchimento da declaração de óbito é de nossa responsabilidade em todos os seus campos. Para que possamos preencher este campo da DO é importante atentarmos para a correta definição de Nascimento Vivo e de Óbito Fetal.

Segundo a Classificação Internacional de Doenças, na sua décima revisão – CID-10, que apresenta definições adotadas pela Assembléia Mundial da Saúde (resolução WHA20.19 e Wha43.24) de acordo com o artigo 23 da Constituição da Organização Mundial de Saúde/OMS:

  • “Nascimento Vivo é a expulsão ou extração completa do corpo da mãe, independente da duração da gravidez, de um produto de concepção que, depois da separação, respire ou apresente qualquer outro sinal de vida, como batimentos do coração, pulsação do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária, estando ou não cortado o cordão umbilical e estando ou não desprendida a placenta. Cada produto de um nascimento que reúna essas considerações se considera como uma criança viva.”
  • “Óbito Fetal é a morte de um produto da concepção, antes da expulsão ou da extração completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez; indica o óbito o fato de o feto, depois da separação, não respirar nem apresentar nenhum outro sinal de vida, como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária.”

Ao que parece, o excesso de registro de óbitos fetais observado em nosso estado, tomando-se como base o depoimento de muitos profissionais, decorre do julgamento de que não se justifica a emissão de declaração de nascido vivo, nem de declaração de óbito, para crianças de muito baixo peso, considerados inviáveis, e que sobrevivem poucos segundos após a expulsão. Acontece que está claramente definida pela OMS a independência em relação ao peso ou à duração da gestação para a emissão das declarações.

Outro argumento utilizado diz respeito ao conteúdo da resolução número 1779/2005 do Conselho Federal de Medicina que regulamenta a responsabilidade do médico na emissão da declaração de óbito, que diz no parágrafo dois do artigo segundo:

  • “Em caso de morte fetal os médicos que prestaram assistência à mãe ficam obrigados a fornecer a declaração de óbito do feto, quando a gestação tiver duração igual ou superior a 20 semanas ou o feto tiver peso corporal igual ou superior a 500 (quinhentos) gramas e/ou estatura igual ou superior a 25 cm.”

Acontece que está bem claro nesse texto que as limitações quanto à obrigatoriedade de emissão da declaração de óbito são para os óbitos fetais e não para crianças nascidas vivas e que logo venham a falecer, para as quais deve ser emitida declaração de nascido vivo e de óbito, seja qual for seu peso, estatura, duração da gestação ou tempo de sobrevida extra-uterina.

Detectamos assim, situações que vão afetar o quantitativo de óbitos e nascimentos. Entretanto o problema não se esgota apenas nesse aspecto.

Intervenções vêm sendo realizadas no sentido de melhora da atenção à saúde, e mudanças no estilo de vida vêm ocorrendo de forma mais acelerada, influindo no quadro de morbimortalidade da população. Assim, o monitoramento constante de fatores considerados de risco para óbitos é importante tanto para detectar essas mudanças, como para conhecimento daqueles mais relevantes em determinada área.

Nesse sentido, a declaração de óbito possui campos específicos que devem ser preenchidos para óbitos fetais e de menores de um ano (Campos 33 a 42). Muitos estados brasileiros apresentam deficiência no preenchimento desses campos, com uma média de informação ignorada de 23,4%, nos óbitos não fetais e 16,6% nos fetais. A Bahia em 2005 apresentou, em média, 31% e 20,1%, de não preenchimento desses campos nas declarações de óbitos não fetais e fetais, respectivamente, notificadas no SIM/Bahia, acima da média nacional, sendo o campo de escolaridade materna o de pior preenchimento, com 45,8% (não fetais) e 41,5% (fetais) de informação ignorada.

No que diz respeito à Mortalidade Materna, de acordo com os dados oficiais preliminares disponíveis, a razão de mortalidade materna no estado da Bahia para o ano de 2006 foi de 63,2 óbitos por 100.000 nascidos vivos notificados pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. Pesquisa do Ministério da Saúde, realizada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo nas Capitais brasileiras em 2002 estimou para o Nordeste um fator de correção de 2,05 e para Salvador, um fator de correção de 1,76, significando uma subnotificação de 76% dos óbitos. Saliente-se que a subnotificação de óbitos é consideravelmente inferior neste município quando comparada ao interior do Estado.

Aplicando-se o fator de correção de Salvador, à taxa estadual, a razão de mortalidade materna na Bahia eleva-se para um valor estimado de 111,2 óbitos por 100.000 nascidos vivos, valor consideravelmente superior à faixa de 10 a 20 óbitos por 100.000 nascidos vivos, considerada aceitável pela Organização Mundial de Saúde (Figura 2).

FIGURA 2

Uma das condições que favorece essa subnotificação é o mascaramento das causas devido ao registro apenas das complicações que levaram ao óbito ou da causa imediata do óbito, com omissão da causa básica do mesmo, que pode ser uma causa materna. Essa distinção é sumamente importante quando se avalia a seqüência de eventos que levou ao óbito.

Tomemos como exemplo uma mulher que sofreu um abortamento, desenvolveu infecção genital que complicou com peritonite e morreu por septicemia. Na maioria das declarações de óbito apenas os três últimos eventos (as complicações) são registrados, deixando de ser relatado o aborto que gerou toda essa seqüência, levando ao óbito. Para as estatísticas de mortalidade, seguindo as regras de codificação, na omissão de registro do aborto a causa básica seria a infecção genital, mas com o registro do mesmo, seria o aborto. Isso se repete em outras situações a exemplo de hemorragias e embolias pulmonares, quando ocorridas em mulheres consideradas em idade fértil (10 a 49 anos). É extremamente importante a distinção entre causa imediata do óbito, que é a causa terminal, e a causa básica do óbito, que é a que iniciou a seqüência de eventos que levou ao óbito, ou seja, a causa sobre a qual a saúde pública pode intervir visando a sua prevenção ou instituindo a cura em algum ponto, evitando, assim as suas complicações e conseqüentemente o óbito.

Objetivando detectar situações como as acima descritas, existem dois campos da declaração de óbito (campos 43 e 44) que informam sobre o estado gravídico/puerperal e devem ser preenchidos nos óbitos de mulheres em idade fértil. O preenchimento destes campos facilita o direcionamento da investigação para detecção de uma possível morte materna e suas causas, possibilitando assim elaboração das recomendações necessárias e a adoção de medidas pertinentes para o seu controle pelo Sistema de Saúde No entanto, o preenchimento desse campo, em nosso Estado também deixa a desejar como pode ser verificado na tabela 2.

TABELA 2

Mas em que essas situações afetam nossas estatísticas?

A Taxa de Mortalidade Infantil é o resultado da divisão do número de óbitos de crianças menores de um ano pelo total de nascidos vivos em um mesmo local e período, multiplicado pela constante 1.000. Ora, se existe excesso de registro de óbitos fetais, a conseqüência é a redução de registro de nascidos vivos, o que implica em problemas com o denominador desta fórmula, bem como na da Razão de Mortalidade Materna, que é o resultado da divisão do número de óbitos maternos pelo total de nascidos vivos em um mesmo local e período, multiplicado pela constante 100.000.

Por outro lado, reduz-se também o registro de óbitos de menores de um ano. Adicione-se a insuficiente captação tanto de óbitos como de nascimentos, devido aos problemas de cobertura dos sistemas de informações, ambos os termos da fórmula de cálculo da taxa de mortalidade infantil são afetados, contribuindo para a existência de dúvidas quanto à real magnitude desses eventos, sobretudo nos pequenos municípios do estado. Aliado a esse quadro, a omissão de dados importantes para caracterização dessas mortes dificulta a identificação de fatores de risco mais prevalentes.

Estes são problemas tanto de nós médicos, enquanto responsáveis pelo preenchimento da declaração de óbitos, como dos gestores em saúde, que necessitam de dados confiáveis sobre suas áreas de atuação, para definição de prioridades para intervenções e aplicação de recursos.

Nesse sentido, no Brasil, em março de 2004, o governo federal lançou o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal e, na Bahia, a redução da mortalidade materna é o compromisso número 1 da Agenda Estadual de Saúde, refletindo o seu reconhecimento como problema social e político pelos governos.

O Governo da Bahia, através do Decreto número 10.263 de março/2007 incluiu o óbito materno entre os eventos de notificação compulsória e investigação imediata em todo o âmbito do Estado e em 06/03/2008 a Comissão Intergestora Bipatirte/CIB aprovou as Normas de Operacionalização da Vigilância do Óbito Materno e Infantil no Estado da Bahia, publicada no Diário Oficial do Estado da Bahia em 08/03/2008, contribuindo, assim, para o real conhecimento do perfil de mortalidade materna e infantil e para a adoção de medidas pertinentes para a sua redução.

Façamos então a nossa parte.

Estela Maria Ramos do Nascimento

Médica; Mestra em Saúde Coletiva com área de concentração em Epidemiologia; Especialista em Informação em Saúde.

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