PARECER TÉCNICO 003/2023

Remanejamentos intersetoriais e abandono de plantão.

02.03.2023

Assunto: Remanejamentos intersetoriais e abandono de plantão.

1. DO FATO:

É submetida à Câmara Técnica desta Autarquia Pública, através da ouvidoria, sob protocolo COREN – BA 165894452213325901695 do fato: “… Prezado Conselho, venho por meio deste veículo solicitar um Parecer Técnico quando ao fato a seguir descrito: 1. existe alguma norma que respalde o enfermeiro, perante uma necessidade de remanejamento de um profissional de enfermagem de um setor para outro, com objetivo de cobertura de escala e ele se recusa a ser remaneja de setor para a cobertura de escala? 2. o que fazer perante a saída do profissional de enfermagem da Instituição, sem que a escala esteja devidamente coberta, pela ausência do colega para substituí-lo ou a impossibilidade da Instituição de cobertura da escala, naquele período (simplesmente ele é o profissional que deverá aguardar todos chegarem – “o ponto de espera” e abandona o serviço sem que a escala esteja coberta, deixando o setor em situação crítica de RH? Quais as responsabilidades de todos – Instituição, supervisor de plantão administrativo e profissional de enfermagem perante essas coberturas de escala no período do plantão? ”(grifo nosso). Foi discutida na Câmara Técnica de Ética do Coren-BA, para o qual temos o seguinte entendimento:

2. DA FUNDAMENTAÇÃO E CONCLUSÃO:

CONSIDERANDO o Artigo 469 do Decreto Lei nº 5.452 de 01 de maio de 1943, ao empregador é vedado transferir o empregado, sem a sua anuência, para localidade diversa da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do seu domicílio. De acordo com o Artigo 70 do Código Civil, o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Dessa forma, fica compreendido que pode-se haver deslocamento de funcionários sem necessariamente, mudança de domicílio.

CONSIDERANDO a possibilidade de transferência de empregados sem anuência para o empregador, não estão compreendidos na proibição do Art. 469: os empregados que exerçam cargo de confiança e aqueles cujos contratos tenham como condição, implícita ou explícita, a transferência, quando esta decorra de real necessidade de serviço. (Redação dada pela Lei no 6.203, de 17.4.1975). Dessa maneira, é lícita a transferência quando ocorrer extinção do estabelecimento em que trabalha o empregado.

CONSIDERANDO a Norma regulamentadora (NR) 32 do Ministério do trabalho e Emprego – Segurança e Saúde no Trabalho em Serviços de Saúde, tem por finalidade estabelecer as diretrizes básicas para a implementação de medidas de proteção à segurança e à saúde dos trabalhadores dos serviços de saúde, bem como daqueles que exercem atividades de promoção e assistência à saúde em geral. No item 32.2.4.9 diz:

32.2.4.9 O empregador deve assegurar capacitação aos trabalhadores, antes do início das atividades e de forma continuada, devendo ser ministrada: (grifo nosso)
a) sempre que ocorra uma mudança das condições de exposição dos trabalhadores aos agentes biológicos;
b) durante a jornada de trabalho;
c) por profissionais de saúde familiarizados com os riscos inerentes aos agentes biológicos.

CONSIDERANDO a Resolução COFEN 293/2004, é importante salientar que a possível falta de adequação institucional do Dimensionamento de Pessoal, que possui objetivo de garantir a segurança, qualidade e continuidade da assistência pode ser a causa da necessidade corriqueira de remanejamentos, com intuito de cobrir escala. Sendo assim, cabe ressaltar o quão essencial é que as instituições tenham para além do dimensionamento adequado também utilizem o Índice de Segurança Técnica (IST) dos quais 8,3% são referentes a férias e 6,7% a ausências não previstas, a fim de que a assistência ao paciente não seja fragilizada assim como o processo de trabalho em enfermagem, conforme previsto na Resolução do COFEN 293/2004.

§ 2º – O quantitativo de profissionais estabelecido deverá ser acrescido de um índice de segurança técnica (IST) não inferior a 15% do total.
(…)

CONSIDERANDO o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, aprovado pela Resolução COFEN n. 564 de 2017, no CAPÍTULO I DOS DIREITOS e CAPÍTULO II DOS DEVERES ao profissional de enfermagem que, em situações onde o mesmo (Enfermeiros, Técnicos ou Auxiliares de Enfermagem), não disponha de aptidão técnica e científica comprovada, bem como não sentirem segurança para
realizar uma assistência de enfermagem em um setor onde nunca recebeu a rotina do serviço possui o direito de recusa-se a ir, visto que por meio do código de ética é garantido a ele:

CAPÍTULO I DOS DIREITOS

Art. 1º Exercer a Enfermagem com liberdade, segurança técnica, científica e ambiental, autonomia, e ser tratado sem discriminação de qualquer natureza, segundo os princípios e pressupostos legais, éticos e dos direitos humanos (grifo nosso).
Art. 2º Exercer atividades em locais de trabalho livre de riscos e danos e violências física e psicológica à saúde do trabalhador, em respeito à dignidade humana e à proteção dos direitos dos profissionais de
enfermagem.

CAPÍTULO DOS DEVERES

Art. 44º – Prestar assistência de Enfermagem em condições que ofereçam segurança mesmo em caso de suspensão das atividades profissionais. Art.76 – Negar assistência de enfermagem em situações de urgência, emergência, epidemia, desastre e catástrofe, desde que não ofereça risco à integridade física do profissional.

CONSIDERANDO que o profissional que recusa-se ser remanejado devido à falta de segurança técnica, científica e/ou aptidão física, evidencia-se que o mesmo dispõe de responsabilidade e ética profissional, conforme ressalta a Resolução do COFEN 564 de 2017, em sua seção I das relações com a pessoa, família e coletividade, ao estabelecer que a equipe de enfermagem seja capaz de:

Art. 12 – Assegurar à pessoa família e coletividade assistência de enfermagem livre de danos decorrentes da imperícia, negligência ou imprudência. (grifo nosso)
Art. 13 – Avaliar criteriosamente sua competência técnica, científica, ética e legal e somente aceitar encargos ou atribuições, quando capaz do desempenho seguro para si e para outrem. (grifo nosso)

CONSIDERANDO o Código de Ética dos profissionais de enfermagem em seu capítulo 1, seção 1, das relações com a pessoa, família e coletividade, artigo 16, como responsabilidade destes, garantir a continuidade da Assistência de Enfermagem em condições que ofereçam segurança mesmo em caso de suspensão das atividades profissionais decorrentes de movimentos reivindicatórios da categoria.

Art. 47 Posicionar-se contra, e denunciar aos órgãos competentes, ações e procedimentos de membros da equipe de saúde, quando houver risco de danos decorrentes de imperícia, negligência e imprudência ao paciente, visando a proteção da pessoa, família e coletividade.

CONSIDERANDO que abandono de plantão, caracteriza-se com o ato de deixar de prestar assistência ao (s) paciente (s), a saída do profissional do turno de trabalho sem a ciência ou consentimento da chefia e/ou não comparecer para a escala determinada sem comunicação ou justificativa à Chefia de Enfermagem. Na luz do código Penal- O Decreto Lei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940 diz no seu
Capítulo II das lesões corporais:

Art. 133 – Abandonar a pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena – detenção, de seis meses a três anos. (grifo nosso)
§ 1º – Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de um a cinco anos.
§ 2º – Se resulta a morte: Pena – reclusão, de quatro a doze anos. (grifo nosso)

O verso da responsabilidade e do dever constitui-se em infração ético-legal de negligência no atendimento, devido a ausência do profissional, promover a descontinuidade da assistência, e expor o paciente a situação de risco e dano.
O descumprimento às normas internas vigentes de estabelecimentos de serviços de saúde, sejam elas de atendimento a pacientes internos ou em atenção domiciliar/home care no que tange ao comparecimento e permanência em plantão, pode gerar a dispensa com justa causa aos empregados regidos pela CLT,
conforme dispõe o art. 482 (BRASIL, 2017).

Logo, na comprovação do comportamento faltoso do empregado que se ausenta do seu posto de trabalho sem autorização e coloca em risco a vida ou incolumidade física de outrem, poderá ser caracterizada a falta grave, sendo cabível a aplicação da penalidade de dispensa por justa causa.

CONSIDERANDO, que os profissionais de enfermagem não devem medir esforços para a prática do cuidar, sendo que a negativa dessa atividade poderá implicar em infração ética disciplinar, configurada no Capítulo IV das Infrações e Penalidades da Resolução Cofen nº 564/2017:

(…)
Art. 104 Considera-se infração ética e disciplinar a ação, omissão ou conivência que implique em desobediência e/ou inobservância às disposições do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, bem como a inobservância das normas do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem.
Art. 105. O (a) Profissional de Enfermagem responde pela infração ética e/ou disciplinar, que cometer ou contribuir para sua prática, e, quando cometida (s) por outrem, dela(s) obtiver benefício […] (COFEN, 2017).

DA CONCLUSÃO:

Diante do exposto, pode-se concluir que não existe ilegalidade no remanejamento dos profissionais de enfermagem dentro da mesma instituição, ou seja, para outros setores. No entanto, é garantido ao profissional recusar-se em situação de ausência de segurança técnica, científica, ambiental e autonomia, relacionado às ações de enfermagem, pois tal posicionamento aponta que o mesmo é capaz de avaliar sua competência técnica, científica, ética e legal para desempenho seguro para si e para outrem.

Vale ressaltar que, fica também como dever do empregador assegurar ao profissional capacitação antes de iniciar as atividades laborais e que o não cumprimento da resolução COFEN 293/2004, que estabelece que a instituição disponha de pessoal de acordo com dimensionamento adequado e com índice de
segurança técnica expõe as constantes remanejamentos e, por consequência, fragilizam a equipe de enfermagem e principalmente assistência prestada ao paciente.

Para tanto, tais situações de remanejamentos frequentes e não planejados, expõe a fragilidade institucional em seguir o regulamento estabelecido quanto ao dimensionamento adequado e Índice de Segurança Técnica (IST) que preconiza o acréscimo não inferior a 15% do total de profissionais. Ou seja, a instituição também possui responsabilidade quanto ao risco por fragilizar a assistência ao paciente por
não seguir a legislação vigente. Pois, cabe também à instituição garantir a continuidade da assistência ao paciente em condições que ofereçam segurança.
Contudo, o profissional que ausentar-se do turno de trabalho sem a ciência ou consentimento da chefia e/ou não comparecer para a escala determinada sem comunicação ou justificativa à Chefia de Enfermagem, abandonando pessoas que estão sob seus cuidados, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono, poderá ser penalizado
conforme descrito no código penal por meio da Lei nº 2848 de 07 de dezembro de 1940. Cabendo ao enfermeiro, organizar e planejar quais cuidados são necessários e por quanto tempo, de acordo com a individualidade de cada um e o técnico e auxiliar de enfermagem são responsáveis por assistirem o enfermeiro no cuidado e juntos (PARECER TÉCNICO COREN/PR nº 00112020).
Sendo assim, o abandono de plantão pode gerar responsabilização do profissional de enfermagem (ética, administrativa, penal e civil), dependendo ou não da extensão do dano à saúde ao paciente proveniente da ausência do profissional no local, seja no estabelecimento de serviço de saúde ou domicílio.
Logo, ressalta-se a importância da atuação das Comissões de Ética de Enfermagem institucionais, nos casos que versarem sobre abandono de plantão, bem como apuração de eventuais descumprimentos pelos profissionais de preceitos do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem.

Este é o parecer, salvo melhor juízo.
Atenciosamente,

Câmara Técnica de Ética do Exercício Profissional de Enfermagem

Karina Cerqueira Soares 631101-Enf
Edilene Oliveira Dos Santos 57136-Enf
Stella Renathe Tolentino Silva Souza 246136-Enf

Parecer Técnico aprovado e homologado na 703ª ROP – Reunião Ordinária de Plenária.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei 7498/ 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7498.html>. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2023.

DECRETO Nº 94.406 DE 08 DE JUNHO DE 1987, que regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da enfermagem, e dá outras providências. Disponível em:http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto94406-8-junho 1987-444430-norma-pe.html. Acesso em 23 de Janeiro de 2023.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução Nº 0358/2009. Dispõe sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem e a implementação do Processo de Enfermagem em ambientes, públicos ou privados, em que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem, e dá outras providências. Disponível em <http://www.cofen.gov.br/resoluocofen-3582009_4384.html>. Acesso em: 15 de
Fevereiro de 2023.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução COFEN Nº 0564/2017 Aprova o novo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-5642017_59145.html. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2023.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. RESOLUÇÃO COFEN-195/1997. Dispõe sobre a solicitação de exames de rotina e complementares por Enfermeiro. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-1951997_4252.html. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2023.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. RESOLUÇÃO COFEN Nº 429/2012. Dispõe sobre o registro das ações profissionais no prontuário do paciente, e em outros documentos próprios da enfermagem, independente do meio de suporte – tradicional ou eletrônico. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resoluo-cofen-n-4292012_9263.html. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2023.

CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. RESOLUÇÃO COFEN Nº 514/2016. Aprova o Guia de Recomendações para os registros de enfermagem no prontuário do paciente, com a finalidade de nortear os profissionais de Enfermagem. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-05142016_41295.html. Acesso em: 19 de junho de 2023.

BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Coletânea de legislação: edição federal, São Paulo, v. 7, 1943.

Consolidação das leis do trabalho – CLT e normas correlatas. – Brasília : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017. 189 p. Disponível em:https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/535468/clt_e_normas_corre
atas_1ed.pdf. ISBN: 978-85-7018-891-5. Acesso em 20 Fevereiro 2023.

2020/001 – Parecer Técnico Coren/PR – Abandono de plantão de profissionais de enfermagem diante da pandemia Covid-19. Disponível em: Parecer Técnico Coren- PR 001-2020 – Abandono de plantão de profissionais de enfermagem diante da pandemia COVID-19.pdf (corenpr.gov.br). Acesso em: 22 de Fevereiro de 2023.

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